Sunday, June 13, 2010

Crise não é uma palavra conjugável para todos


Numa altura em que uma nova crise do capitalismo arrasta milhares para o desemprego e leva outros tantos para a pobreza, a legitimidade política, social e moral de toda a estrutura sofre as ameaças. Num sentido de regeneração e de preservação da autoridade deste sistema económico e da lógica política que o acompanha, torna-se necessário encontrar justificações que se generalizem como verdades absolutas, e/ou encontrar alternância dentro do próprio, para que o processo de dominação se mantenha intacto.

É o que encontramos na política portuguesa quando se acentuam e se cultivam novos estereótipos e preconceitos, e quando o PSD, com Passos Coelho, aparece como alternativa ao Partido Socialista de José Sócrates, como se ambos os partidos não tivessem hegemonicamente avassalado o poder político português desde do 25 de Abril.

Foi explicitado e comprovado académica e politicamente que o estalar da crise teve as suas raízes e causas, essencialmente, na especulação financeira, na falta de controlo e regulação na economia e na constante diminuição do papel interventivo do Estado. Todavia, quando observamos o discurso e as reformas defendidas pelo Bloco Central, percebemos claramente que não existe a mínima intenção de contrariar esta lógica.

Quem hoje paga a crise são aqueles e aquelas que, em tempos anteriores, contribuíram para que a elite económica portuguesa - a mesma que nos arrastou para a crise - tivesse processos de acumulação de capital colossais. Por um lado, são quem mais sofre com as medidas de austeridade, por outro são violentamente atacados com novas etiquetas: “os desempregados não querem trabalhar”, “os detentores do rendimento mínimo atraiçoam a Segurança Social e encostam-se na preguiça”, “os trabalhadores da função pública têm direitos a mais”, “o salário mínimo é demasiado elevado”, “o código laboral é demasiado inflexível”…

E é assim que se arranjam novos culpados para a crise, que se fomentam preconceitos, para que nada se transforme e que tudo se mantenha. A tão lucrativa banca portuguesa, que sempre gozou do encosto do Estado, quando esbanjou todo o seu dinheiro no casino financeiro, e a elite do empresariado português, para quem este país sempre governou, não verão a palavra crise para além dos meios de comunicação social.

Quem contribuiu para que a este estado chegássemos quer passar incólume, e os que não traçaram a rota para este porto de desastre são os que mais estão a sofrer com ela, os que a estão a pagar.

Crise não é, de todo, uma palavra conjugável para todos.


Por Fabian Figueiredo, publicado aqui e aqui.

2 comments:

Fabian Figueiredo said...

Obrigado pela referência Francisco :)

Francisco Norega said...

ora essa ;)