Friday, March 19, 2010

Enfermeiros & Prioridades

Foi agendada mais uma greve dos enfermeiros.
Esta classe volta a reivindicar o direito a 1200€ de ordenado em início de carreira. Não digo que não tenham esse direito, mas acho que eles deviam pensar um bocadinho.

Numa altura em que há centenas de milhares de portugueses no desemprego, e que muitos outros vivem com menos de 500€ por mês, talvez os enfermeiros devessem parar um bocadinho e pensar se tem lógica estarem a fazer este estardalhaço todo. Tudo bem que são pessoas que investiram nos estudos, que tiraram uma licenciatura muitas vezes à custa de muito trabalho e de muitas horas de sono perdidas, não estamos a pôr isso em causa. Mas se alguém acabou como empregado de balcão porque, devido a uma série de factores, cometeu uma série de erros durante a sua vida - erros que, por muito que queira, não pode emendar -, não deve ser por isso privado do direito a uma vida digna.
Acho que primeiro devia ser assegurada uma vida com o mínimo de dignidade a todos os portugueses, e só depois os enfermeiros e outras classes privilegiadas deviam reivindicar estes ordenados de rei. Afinal, quem serve o café ao Sr. Enfermeiro de manhã, quem faz o pão e os bolos para o Sr. Enfermeiro comer ao pequeno-almoço, quem limpa as ruas onde o Sr. Enfermeiro anda, quem contribui para que o supermercado onde o Sr. Enfermeiro faz as compras funcione também tem direito a um ordenado que lhe permita ter comida na mesa todos os dias, que lhe permita ter roupa para vestir, que lhe permita lanchar com os amigos uma vez por outro, que lhe permita cometer uma extravagância de quando em vez.

Antes dos enfermeiros terem 1200€ como salário base em início de carreira, todos os portugueses, empregados ou não, devem ter os direitos à alimentação, habitação e saúde&higiene assegurados e todos os jovens portugueses devem ter direito a uma educação verdadeiramente gratuita.



E já agora, falando de coisas importantes, no próximo fim-de-semana, dias 26 e 27 de Março, vai haver um Debate Internacional de Justiça Climática, promovido pelo Bloco de Esquerda e pelo partido europeu European Left.
Eu gostava de ir. Todos devemos mostrar interesse, para nos prepararmos para, da próxima vez, não deixarmos que aconteça como em Copenhaga!



Hasta La Victoria, Siempre!


13 comments:

Inês said...

Uma coisa não invalida a outra. Não são os enfermeiros os responsáveis pela taxa de desemprego e pelo vergonhoso valor do salário mínimo nacional. Por essa lógica, as pessoas que estão desempregadas e as que recebem menos de €500 por mês não poderiam reivindicar aquilo a que têm direito, porque, por exemplo, há milhões de pessoas em todo o mundo a viver com menos de €1 por dia. Qualquer pessoa, ou classe, tem direito a reivindicar aquilo que acha que merece (desde que não prejudique os outros), sem que seja recriminada por isso.

Leto of the Crows - Carina Portugal said...

"Esta classe volta a reivindicar o direito a 1200€ de ordenado em início de carreira. Não digo que não tenham esse direito, mas acho que eles deviam pensar um bocadinho."

Chama-se egoísmo, e é inato da espécie humana (devo ter andado a bater com a cabeça algures para andar com esta do egoísmo xD).

Francisco Norega said...

Inês,
Eu não queria chegar tão longe, mas sim, tens toda a razão ;)
Eu, sinceramente, acho que ordenados superiores a 1000 euros por mês são um exagero, mas são opiniões :)

Inês said...

Sim, eu sei que levei a situação ao extremo, mas julgo que foi uma hipérbole esclarecedora :P

Quanto à questão dos 1000 euros, eu não acho que seja um exagero. De qualquer das maneiras, numa coisa temos a mesma opinião: um salário que não chega aos 500 euros é baixo, muito baixo. ;)

Mariana said...

Eu sei que não tem muito a ver, mas há muitas classes na área da saúde que merecem reivindicar os salários, sim, nomeadamente os técnicos de saúde. Os técnicos, ao contrário do que muitos pensam, têm uma licenciatura e não recebem como licenciados (a minha mãe por exemplo, recebe 600 a 700 euros por mês e trabalha das 8 da manha às 8 da noite). Sinceramente, quanto aos enfermeiros não sei,mas que há muita gente que não recebe o que devia, não recebe. E lá porque há pessoas que recebem menos não quer dizer que outras pessoas que nao devam receber mais, embora possa parecer um pouco injusto.

E já agora, mais de 1000 euros não é muito, Francisco x). Para quem vive sozinho, tudo bem, mas se o "sr.enfermeiro" tiver filhos, bem sabes que a educação e assim não é nada acessível...

Francisco Norega said...

Inês,
«Por essa lógica, as pessoas que estão desempregadas e as que recebem menos de €500 por mês não poderiam reivindicar aquilo a que têm direito, porque, por exemplo, há milhões de pessoas em todo o mundo a viver com menos de €1 por dia.»
Foi um exagero, uma extrapolação do que eu disse, mas o que eu queria dizer é que sim, concordo contigo.

Eu acho que 1000€ é um exagero, sim. Claro que não se pode comparar uma pessoa que vive sozinha com um casal com 3 filhos com uma mulher solteira mãe de dois filhos. Mas, na generalidade dos casos, parece-me que 1000€ é suficiente.

Francisco Norega said...

Leto,
tens toda a razão.
(Não sei se andaste a bater com a cabeça em algum lado, se foi de teres vindo cá, mas eu mando-te um mail [e à catarina] entretanto.)

Francisco Norega said...

Ora aí está um caso interessante.
Porque é que um enfermeiro recebe 1000€ em início de carreira e a tua mãe, que aposto que não está em início de carreira, e que também é licenciada e não trabalha menos do que os enfermeiros, recebe só 600€ ou 700€?

Mais, porque raio é que a tua mãe trabalha das 8h da manhã às 8h da noite? Isso é ilegal - contando com uma duas horas de pausa (uma e meia para almoço e meia para o lanche, estou a atirar ao calhas), são 10h de trabalho, quando o máximo permitido por lei são 8h.

E 1000€ não é muito, mas chega. 1000€ não chega porque o Sr. Enfermeiro tem de pagar a educação dos filhos? Pois aqui o que está mal não é o ordenado do enfermeiro, mas o facto de a educação não ser efectivamente gratuita.

Francisco Norega said...

Quanto a "e lá porque há pessoas que recebem menos não quer dizer que outras pessoas que nao devam receber mais, embora possa parecer um pouco injusto" e coisas do género, têm toda a razão, mas não deixa de me preocupar mais um desempregado ou uma rapariga que é empregada de mesa a receber 400€ por mês do que um enfermeiro a receber 1000€ por mês.
Porque, sim, também há empregados de mesa que têm filhos, por estranho que pareça.

Inês said...

Francisco, eu sei que concordas, percebi o que disseste. O que eu quis dizer no comentário seguinte foi que eu própria tenho noção de que o que fiz foi uma extrapolação do que disseste, extrapolação essa propositada para clarificar o meu ponto de vista ;)

"Porque, sim, também há empregados de mesa que têm filhos, por estranho que pareça."
E ninguém diz o contrário. É claro que precisam tanto de €1000* como os pais enfermeiros e que, em termos comparativos, a situação dos primeiros é mais preocupante do que a dos segundos. Aquilo de que eu discordei no teu post foi o tom recriminatório relativamente aos enfermeiros. Não sei avaliar se €1200 em início de carreira é muito ou pouco, mas julgo que eles têm tanto direito de os reivindicar como, por ex, os empregados de mesa têm de pedir o aumento do salário mínimo para os mesmos 1200€. Não é por uma classe ser considerada privilegiada que tem de ser constantemente responsabilizada por erros governativos, até porque, reafirmo, o aumento do salário deles não implica que o nº de desempregados continue a aumentar e o salário mínimo continue a ser vergonhoso.

*Não é só a educação do filho. É a saúde (do filho e do próprio), é a despesa com a casa, água, luz e afins, é a alimentação e mais umas quantas coisas que podem parecer garantidas, ainda que luxuosas, mas que custam dinheiro.

Francisco Norega said...

"mas julgo que eles têm tanto direito de os reivindicar como, por ex, os empregados de mesa têm de pedir o aumento do salário mínimo para os mesmos 1200€."
Claro, claro, completamente de acordo.

"Não é por uma classe ser considerada privilegiada que tem de ser constantemente responsabilizada por erros governativos, até porque, reafirmo, o aumento do salário deles não implica que o nº de desempregados continue a aumentar e o salário mínimo continue a ser vergonhoso."
De acordo.
A questão é que, imagina, há 100 milhões de euros para ser aplicados em ordenados - a mim parece-me prioritário garantir subsídio de desemprego a todos os portugueses e aumentar o ordenado mínimo, e não o de aumentar os ordenados de enfermeiros em início de carreira para 1200€.

Inês said...

A mim também. E espero que ao Governo também. Não é por achar que eles têm o direito de reivindicar, sem ser recriminados, os €1200 que acho que o Governo tem de lhes conceder o que desejam ;)

Francisco Norega said...

:)