Mais uma vez, dou preferência ao registo escrito, porque posso dizer tudo de uma vez e há menos probabilidades de me esquecer de alguma coisa.
Queria, antes de mais, deixar claro que não estou a questionar nenhuma das tuas opções. No entanto, não consigo deixar coisas por dizer. Ou melhor, consigo, mas faz-me imensa confusão, por isso vou dizer-te o que acho.
As minhas notas não são boas, não ponho isso em causa. Podiam ser muito melhores, é verdade. No entanto, acho que são compreensíveis, tendo em conta o contexto emocional/psicológico/whatever em que me encontro(ei?). Não me quero estar a vitimizar nem nada do género, mas vi a pessoa que me é mais próxima entrar numa depressão, e não é algo com que é fácil de lidar. E vi muitas outras pessoas de quem gosto, por vários motivos, irem-se abaixo, por várias vezes e por várias razões, o que, infelizmente, me afecta também. E mais, pela primeira vez na minha vida tive uma relação, que como sabes foi uma coisa um pouco... vá, merdosa.
As minhas notas não têm a ver com o facto de eu sair ou não de casa. Aliás, nunca tiveram, pois eu quase não estudo, esteja em casa ou não - tem, sim, a ver com a concentração e atenção com que eu consigo estar nas aulas (que, neste período, não foi muita, não por razões que me agradem minimamente). Não vai ser o facto de eu não sair que me vai fazer tirar melhor notas, mas o facto de eu estar capaz de estar concentrado nas aulas, e nos testes.
Outra coisa - a escola, as notas, não passa tudo de estatísticas, de números, coisas sem importância.
São-nos despejados factos, em cadeia, para que os decoremos, até na filosofia! Na escola, não se aprende a pensar, não se aprende a viver, aprende-se a repetir o que já foi dito, a fazer o que nos é dito para fazer, sem questionar. Ensinam-nos a fazer parte de um grande sistema de pessoas que, como numa fábrica, executam mecanicamente um processo (serão mesmo pessoas, ou estarão a tornar-se máquinas?) a vida inteira, sem tempo nem espaço para si próprias, sem espaço para serem felizes, às ordens de um pequeno grupo de pessoas que dita a ordem das coisas.
Olho para trás e são poucas as coisas ensinadas na escola que consigo apontar como úteis. Ensinaram-nos a fazer contas, a ler e a escrever, deram-nos a conhecer o mundo que nos rodeia - isto sim é útil. A partir do 5º ano, encontro cada vez menos coisas que ache realmente úteis.
Vejamos na disciplina de língua portuguesa - despejam-se conceitos e mais conceitos, catalogando-se as palavras, as funções de cada parte de uma oração, etc, etc, etc e não é ensinado aos alunos a escrever e ler a língua portuguesa, e a falá-la. Depois, chegamos a situações em que, por exemplo, no 9º ano, se pergunta a alunos qual é o tempo da forma verbal "sofreste", quando eles nem sequer sabem que a forma correcta de escrever é "sofreste", e não "sofres-te" como se vê por aí, ou, no 11º ano, é perguntado aos alunos quais são os deícticos espacias de um texto, ou pedido para se identificar um predicativo de complemento directo numa frase, quando estes não conseguem perceber um texto nem, muitas vezes, construir frases correctamente.
Saltamos para a língua inglesa e o que se vê é o mesmo. Asfixiar as pessoas com conceitos como reason, time e contrast connectors, modal, phrasal e prepositional verbs, ano após ano, em vez de fazer por que a língua saia como algo natural, sem precisarmos de pensar que temos de utilizar o time connector x ou y para articular uma frase; apresentar textos sobre os mesmos temas, ano após ano, em vez de colocar as pessoas em contacto com a língua, de modo a torná-la uma coisa natural para cada um.
Passando à área das ciências, vêem-se os professores a despejar na cabeça dos miúdos a constituição e funcionamento das células, a dividir os seres vivos em cinco reinos diferentes, cada um com as suas próprias subdivisões, a ensinar-lhes o que são átomos, como se juntam os átomos para formarem moléculas e iões.
Em História, são despejados factos e mais factos, todos extremamente tendenciosos (todos sabemos que, em guerras e conflitos, ambos os lados têm as suas razões, que ambos consideram certas e nobres, mas na História nós somos sempre os que temos razão, os bons, e os outros os maus - e, curiosamente, também somos sempre, ou quase sempre, nós que ganhamos). Todos os factos apresentados pelos manuais são-nos apresentados como correctos e inquestionáveis, e quem apresentar teorias diferentes das oficiais é dado como maluquinho, ou um daqueles maníacos das teorias da conspiração.
Nas línguas, dão-se conceitos e classificações, em vez de ensinar as pessoas a ler, a escrever e a falar. Nas ciências, são-nos apresentados factos na sua maioria inúteis para a vida de grande parte da população. Em História, mais uma vez, é desprezado o raciocínio próprio e o espírito crítico, e faz-se uma lavagem cerebral às crianças, desde bem pequenas.
Pessoalmente, acho a escola que temos hoje uma inutilidade, uma simples forma de manter a população com uma forma de pensar standartizada, facilmente manipulável. Este ano, que vi a minha carga horária reduzida para metade e que me vi com imenso tempo livre, acho que aprendi imenso - arriscaria mesmo a dizer que aprendi mais do que em muitos dos últimos anos de escola. Aprendi, discutindo sobre os mais diversos temas com imensas pessoas, conhecendo novos pontos de vista sobre muitas coisas, reflectindo, e contactando com diferentes formas de ver as coisas e de estar na vida. Também errei, e com isso também aprendi.
Se queres que eu comece a vir para casa assim que acabam as aulas, aceito. Se é apenas por causa das notas, acho que não é por deixar de sair que vou ter melhores notas. E pronto, não acho que as notas, mesmo assim, justificassem uma coisa dessas - não são tão importantes assim. Mas aceito - quer queira quer não, é assim que as coisas funcionam.
Gosto muito de ti.