Carta aberta à RTP, AMI e a quem mais a quiser ler
por Myriam Zaluar
Exmos Senhores
Venho por este meio manifestar a minha estranheza perante a descoberta de um evento* a realizar já no final do próximo mês com o apoio de instituições com o V/ nome e responsabilidade. Efectivamente, quando uma corrida se auto-intitula de "solidária", convém que os seus responsáveis esclareçam em que medida o é, a que critérios obedece e em que conceito de solidariedade se baseia. É que se a solidariedade consiste em passar nos territórios ocupados do Sahara Ocidental como se de um troço normal de uma qualquer corrida realizada no meio do Alentejo se tratasse, ou em "entregarem as viaturas às autoridades marroquinas" no final da corrida então talvez esteja na hora de a AMI, a RTP - e a Antena 3! - e a organização deste raide relerem os seus dicionários. Ou não saberão o que sucedeu em El Aaiun há menos de um mês? Ou não terão conhecimento do que se passa neste território há mais de 35 anos? Ou nunca terão ouvido falar de 200 mil refugiados saharauís a viver em acampamentos sem as mínimas condições - nos quais instituições como os Médicos do Mundo, entre outros, estão presentes, como pude comprovar com os meus próprios olhos quando me desloquei ao local... - enquanto Marrocos saqueia e comercializa as riquezas naturais do Sahara Ocidental com a conivência da UE? Nem da Prisão Negra de El Aaiun? Nem de centenas de desaparecidos? Nem dos relatórios da Amnistia Internacional ou do próprio responsável da MINURSO sobre as graves violações aos Direitos Humanos ali perpetradas? Ou teriam a RTP e a AMI apoiado uma corrida Portugal - Dili em tempos da ocupação indonésia?
Desde que viajei aos acampamentos de refugiados em Tinduf que me tinha confrontado com um constrangedor muro de silêncio face às minhas inúmeras tentativas infrutíferas de publicar um trabalho de reportagem sobre esta realidade. A maior parte dos órgãos de comunicação social deste país tem passado este assunto em branco e mesmo os recentes acontecimentos em Al Aaiun foram tratados com uma incompreensível leveza totalmente desproporcionada com a sua dimensão. Nem mesmo o facto de as autoridades marroquinas - as mesmas às quais a corrida que se diz solidária pretende entregar jeeps - terem barrado a entrada nos territórios ocupados a todos os jornalistas que ali tentaram exercer o seu direito/dever de informar mereceram por parte da RTP ou da AMI (já que é destas instituições que estamos a falar) qualquer estranheza ou menção.
É, pois, com um profundo sentimento de descrédito em instituições que até agora me mereciam um mínimo de respeito que deixo estas questões mantendo um ténue esperança de que alguém as lerá e, no mínimo, se interrogará comigo sobre a legitimidade e a ética que rodeiam tais iniciativas.
Venho por este meio manifestar a minha estranheza perante a descoberta de um evento* a realizar já no final do próximo mês com o apoio de instituições com o V/ nome e responsabilidade. Efectivamente, quando uma corrida se auto-intitula de "solidária", convém que os seus responsáveis esclareçam em que medida o é, a que critérios obedece e em que conceito de solidariedade se baseia. É que se a solidariedade consiste em passar nos territórios ocupados do Sahara Ocidental como se de um troço normal de uma qualquer corrida realizada no meio do Alentejo se tratasse, ou em "entregarem as viaturas às autoridades marroquinas" no final da corrida então talvez esteja na hora de a AMI, a RTP - e a Antena 3! - e a organização deste raide relerem os seus dicionários. Ou não saberão o que sucedeu em El Aaiun há menos de um mês? Ou não terão conhecimento do que se passa neste território há mais de 35 anos? Ou nunca terão ouvido falar de 200 mil refugiados saharauís a viver em acampamentos sem as mínimas condições - nos quais instituições como os Médicos do Mundo, entre outros, estão presentes, como pude comprovar com os meus próprios olhos quando me desloquei ao local... - enquanto Marrocos saqueia e comercializa as riquezas naturais do Sahara Ocidental com a conivência da UE? Nem da Prisão Negra de El Aaiun? Nem de centenas de desaparecidos? Nem dos relatórios da Amnistia Internacional ou do próprio responsável da MINURSO sobre as graves violações aos Direitos Humanos ali perpetradas? Ou teriam a RTP e a AMI apoiado uma corrida Portugal - Dili em tempos da ocupação indonésia?
Desde que viajei aos acampamentos de refugiados em Tinduf que me tinha confrontado com um constrangedor muro de silêncio face às minhas inúmeras tentativas infrutíferas de publicar um trabalho de reportagem sobre esta realidade. A maior parte dos órgãos de comunicação social deste país tem passado este assunto em branco e mesmo os recentes acontecimentos em Al Aaiun foram tratados com uma incompreensível leveza totalmente desproporcionada com a sua dimensão. Nem mesmo o facto de as autoridades marroquinas - as mesmas às quais a corrida que se diz solidária pretende entregar jeeps - terem barrado a entrada nos territórios ocupados a todos os jornalistas que ali tentaram exercer o seu direito/dever de informar mereceram por parte da RTP ou da AMI (já que é destas instituições que estamos a falar) qualquer estranheza ou menção.
É, pois, com um profundo sentimento de descrédito em instituições que até agora me mereciam um mínimo de respeito que deixo estas questões mantendo um ténue esperança de que alguém as lerá e, no mínimo, se interrogará comigo sobre a legitimidade e a ética que rodeiam tais iniciativas.
sem mais de momento,
com os melhores cumprimentos
Myriam Zaluar Jornalista
telespectadora e ex-beneficiária do Cartão de Saúde AMI
com os melhores cumprimentos
Myriam Zaluar Jornalista
telespectadora e ex-beneficiária do Cartão de Saúde AMI
* o evento a que me refiro chama-se Portugal Dakar Challenge e auto-intitula-se Corrida Solidária!
mais infos em http://www.portugaldakar.com/
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