Imaginem-se no início do século XVII, na Europa. Agricultura, escaramuças (bem sangrentas) entre povos, carne conservada em sal. Mortalidade Infantil, direitos da mulher inexistentes, tráfico de pessoas. Sem Internet, sem acesso a livros, jornais e revistas por parte da pessoa comum.Agora imaginem que, sem mais nem menos, chegavam umas coisas pelos ares, gigantes como dragões e velozes como os mais rápidos animais exóticos da savana Africana. Dos grandes naves
(termo que utilizavam para designar as enormes máquinas voadoras) saíam todo o tipo de estranhas coisas. Aparelhos grandes como armários, de uma brancura imaculada, de onde saía um frio siberiano; um objecto estranho, desdobrável, que nos diziam que servia para pôr a roupa a secar; um fogão, com diversos botões, que se acendiam com instrumentos compridos de metal.E mais, uns seres algo parecidos connosco, mas mais esbeltos e evoluídos, diziam-nos que tudo o que fazíamos estava errado, que a mulher tinha direitos; que as crianças tinham de permanecer na escola, mesmo depois de entrarem na idade adulta; que todos os dias devíamos ver um pouco de uns idiotas de uns programas que dão numa caixa preta em forma de cubo; que a nossa Igreja estava errada, que os padres eram todos uns adoradores do Diabo.Resultado? Caos.Eventualmente, certos povos tornar-se-iam os Favoritos dos Seres Que Chegaram do Céu
(chamemos-lhes assim) e subjugariam os outros, suportados por todas as tecnologias trazidas dos Céus por aqueles deuses. As concepções económicas, sociais, políticas, ideológicas e religiosas seriam impostas pelos Seres Que Chegaram do Céu, renegando para a clandestinidade as culturas e línguas locais.Na prática, todas as civilizações europeias seriam forçadas a um salto temporal de três ou quatro séculos nas consciências e concepções aceites pela generalidade da população. Os escravos deixariam, no tempo em que o diabo esfrega um olho, de existir; as mulheres, de um dia para o outro, passariam a desempenhar funções iguais (o quão
iguais é discutível, mas seriam certamente mais
iguais do que eram) aos homens; a religião comum no seio de cada povo seria proibida e substituída pela que os Seres Que Chegaram do Céu
praticavam; o quotidiano de cada um seria inundado por uma torrente de aparelhos electrónicos fascinantes e totalmente inovadores; os bois seriam substituídos por tractores e gigantescas máquinas. Isto e muito mais.Foi isto que aconteceu em finais do Século XV e no Século XVI, com a pequena diferença de que não foi a Europa a colonizada, mas sim O Novo Mundo. Portugueses, Espanhóis, Holandeses, Italianos e Ingleses irromperam por culturas seculares nas Américas, na África e na Ásia, e pura e simplesmente impuseram a nossa cultura, a nossa verdade.Favoreceram certas etnias (os Tutsi, no Rwanda, por exemplo) e tribos (na Nova Zelândia dos Maori, por exemplo), cristianizaram os povos, impuseram-lhes os seus modelos económicos e políticos. Os países colonialistas enriqueceram graças a essas milhentas nações do Novo Mundo e, depois, abandonaram-nos e deixaram-nos ao Deus dará. Um Deus que não era o deles, ainda por cima.Se nos devemos sentir culpados por tudo isto? Acho sinceramente que não. Tudo isso já aconteceu há décadas e séculos atrás, a maior parte das coisas antes de os nossos bisavós estarem sequer no mundo da hipóteses.
Acho que não nos devemos sentir culpados, mas eu sinto-me. Aliás, senti-me culpado desde pequeno por ter nascido deste lado da linha que separa os países ricos dos países pobres. E foi talvez por isso que, também desde pequeno, me isolei de tudo e de todos. Mas adiante, que isto não interessa para nada xD
Acho que não nos devemos sentir culpados, não, pois o sentimento de culpa não vai tornar mais justo o mundo em que vivemos. Mas, se não temos responsabilidade por aquilo que aconteceu há 400 ou 500 anos, temos, sim, responsabilidade por tudo o que está a acontecer agora. Se 80% dos recursos mundiais são consumidos por apenas 20% da população, e se nós fazemos parte desses 20%, então SIM, acho que temos responsabilidade por isso.
Mas, então, o que fazer?
Não são poucas as associações com fins humanitários em Portugal, não, mas a maior parte delas não está aberta à colaboração de qualquer pessoa (acho eu). E, para dar dinheiro (que não é a forma de ajudar de que eu sou mais apologista, por causa do distanciamento que implica), custa-me, e aposto que custará a muitos de vós, ver 70% das nossas doações utilizadas para fins administrativos (como acontece com uma grande ONG que todos nós conhecemos).
Dar comida e roupas também é bom, mas depois há navios que, estando carregados de tudo e mais alguma coisa, ficam um ano parados, como aconteceu com um em Leixões, até que a comida apodrece. Não que a culpa seja das ONGs, nestes casos (é, sim, dos países-destino), mas deve ser incómodo doar roupa, comida, medicamentos, apenas para os ver num navio, imponente nas suas intenções mas impotente nas suas acções.
Por tudo isso, sempre fiquei um pouco de pé atrás em procurar e participar em qualquer iniciativa. E conclui que preferia o Do It Yourself, ir eu mesmo ao terreno, quando fosse mais velho, tentar contribuir para um mundo mais justo e igualitário. "Sozinho é difícil, mas haveria de conseguir", I thought.
Então, numa tarde de Março, fui a uma sessão de sensibilização dada pelo Professor Fernando Castro na minha escola. Ele falou-nos sobre uma viagem que tinha feito ao Gana e sobre a realidade que lá tinha encontrado. Sobre a sua estadia em Abamkwam, uma pequena aldeia perdida no meio da selva africana, e sobre as péssimas condições de vida da população da povoação - da inexistência de água potável a um sistema de saúde ausente, passando por uma educação garantida pela boa vontade e esforço de apenas duas ou três pessoas.
Por esta altura já tinham sido angariados, por um grupo de Lisboa, 300€ para a reabilitação de uma bomba de água na aldeia e, com um grupo de jovens da Brotero, o Professor estava já a trabalhar na construção de uma escola lá.
Fiquei entusiasmado com a ideia e decidi ir à reunião semanal seguinte. Quando lá cheguei, não vi apenas um grupo que queria construir uma aldeia num "País de 3º mundo", mas sim um grupo de pessoas com vontade de MUDAR O MUNDO.
O grupo nasceu quando o Professor Fernando e um grupo de Área de Projecto (que andava a trabalhar na área da Intervenção Social) se juntaram, unidos por um ideal MAIOR e pela vontade destes últimos de participar num projecto que não acabasse com o final do ano lectivo - um projecto sério e para durar.
A partir daí, foram-se fazendo mais e mais acções de sensibilização e o grupo foi crescendo.
Conseguimos
angariar fundos e oferecer bicicletas às crianças de Abamkwam para encurtarem as 3 horas a pé que os separavam da sua escola, fomos à Penitenciária de Coimbra animar os reclusos, fizemos visitas a lares de idosos. Estamos, neste momento, a tomar conta de crianças num bairro socialmente
fragilizado. Desenhando um gigantesco
0,7% humano nos campos da ESAB, chamámos a atenção dos
media para um problema que remonta à década de 70, quando foi concluído que, com apenas 0,7% do PIB dos países ricos, era possível erradicar do mundo todo o tipo de pobreza - meta que, até 2005, apenas a Noruega, a Suécia, a Dinamarca, a Holanda e o Luxemburgo tinham atingido. (e com isto até fomos
capa do Diário de Coimbra, eheh :D) Fomos ainda à Câmara Municipal apresentar a associação, por essa altura já registada oficialmente como
PROMUNDO - Associação de Educação, Solidariedade e Cooperação Internacional.
Estamos ainda a organizar um projecto de co-desenvolvimento (um campo em que Portugal ainda está a dar os primeiros passos) com guineenses, no seguimento do qual, na próxima quinta-feira, vamos realizar uma Mesa de Co-Desenvolvimento (quem diria, hein? xD).
E, a cada semana, surgem novos projectos. Por vezes, penso que voamos alto de mais, que pensamos que podemos fazer tudo (é natural, estamos na flor da idade xD), e tenho medo que não consigamos dar conta de tudo. Mas isso já é o meu lado pessimista a falar - esperemos que esteja errado, como esteve até agora ^^
E bem, pode parecer-vos irreal, mas fizemos isto tudo em menos de cinco meses. Cinco meses!, no meio de muitas aulas, testes e exames. Às vezes, nem eu mesmo consigo perceber como. O que interessa é que o fizemos, espero que tudo corra tão bem como (ou melhor, de preferência :P) correu até agora.