Bem, eu pensei que o problema se estava a resolver, mas parece que não. Qual não foi o meu espanto quando, ao chegar à 45ª página do nº 146 [Abril 2008] do Courrier Internacional, me deparo com um artigo traduzido do
Yediot Aharonot, de Telavive, com o titulo “Como aterrorizar Gaza sem matar”. Logo o título fez-me repudiar o artigo (e a headline «Gases lacrimogéneos e música ensurdecedora… Para acabar com os tiros de “rockets” do Hamas, o comentador israelita Guy Bekhor propõe soluções no mínimo curiosas» ainda mais), mas eu li-o e agora venho aqui falar um pouco sobre o assunto com vocês.
Acho que, em primeiro lugar, os media passam uma imagem muito distorcida do conflito israelo-palestiniano. Penso que qualquer pessoa que não se interesse pelo assunto e não o aprofunde pensará, com base em tudo o que se houve na TV, rádio e imprensa, que os palestinianos são uma cambada de terroristas que gostam de se fazer explodir contra os israelitas.
Mas a questão não é assim tão simples.
O povo da palestina está ligado, como todos estamos, à sua terra, ao seu país (ou nação, chamem-lhe o que quiserem). E a sua terra é onde se localiza actualmente Israel, desde há quase um milénio e meio. O seu país é a Palestina, aquele pedaço de terra entre o Mediterrâneo e a Jordânia, delimitada na fronteira este pelo Rio Jordão e pelo Mar Morto, com uma área pouco superior à do Alentejo. É um facto, e é desumano retirar a nação a um povo. E foi o que os judeus lhe fizeram. Começaram a fixar-se na Terra Santa contra a vontade do povo palestiniano.
“Pá”, é certo que aquela é a Terra Santa e que é a terra destinada aos judeus e tudo mais, mas os palestinianos também são gente, e não são mais ou menos que os outros. O que está lá a acontecer desde há meio século é um autêntico genocídio. Não há outro nome para o que os israelitas (se calhar é melhor chamar-lhes israelitas em vez de judeus, porque os judeus não são todos israelitas; ainda assim, é importante frisar que nem todos os israelitas concordam com o que está a acontecer, e a outros tantos é feita uma lavagem cerebral permanente por parte dos media) fizeram (e ainda fazem) ao povo palestiniano. Já ouvi apontarem o Holocausto nazi como uma desculpa, o que é totalmente absurdo. Quanto muito, por terem vivido o Holocausto, e por o terem sentido na pele, deveriam saber o quão horrível isso é e esforçarem-se ao máximo para que isso não voltasse a acontecer. Não por culpa deles. Mas, ainda assim, é importante deixar claro que o Holocausto em nada foi responsável pelo genocídio do povo palestiniano. Quer dizer, não posso afirmar isto como uma verdade absoluta, até porque não sou um perito num assunto, mas pelo menos foi o que Moshe Mizrahi, um cineasta israelita apoiante da paz, disse a Kenizé Mourad quando esta lhe perguntou se, caso «…não tivesse existido o Holocausto, pensa[va] que teria havido um Estado judaico?»; passo a citar a resposta: «Absolutamente. Os alicerces do Estado de Israel já existiam na Palestina nos anos 30. Cinco a seis mil judeus viviam na Palestina, camponeses, operários, falavam hebraico, língua morta há dois mil anos. A entidade nacional na Palestina existia bem antes do Holocausto. O conflito judaico-palestiniano, as revoltas palestinianas de 1929 e de 1936 contra a colonização judaica, a Haganah, que depois deu origem ao exército israelita, tudo isso existia bem antes do Holocausto. O Holocausto só fez com que o processo se acelerasse, não o criou» (excerto presente na obra
O Perfume da Nossa Terra, de Kenizé Mourad, uma jornalista francesa, em que é relatada a estada da autora/jornalista na Palestina e Israel, durante a qual falou com inúmeros militantes e vítimas, tanto palestinianas como israelitas, do conflito).
Mas afinal, o que fizeram de tão mal os israelitas?
Se bem sei, a imigração em massa de judeus para a Terra Santa remonta ao final do século XIX. O povo palestiniano sempre se opôs e, de certa forma, a administração britânica sempre a foi tentando conter. Depois da guerra, enfraquecida por ela e pelos conflitos dentro da própria Palestina, a Grã-Bretanha vê-se obrigada a entregar a administração daquele território à ONU. Perante o aumento dos conflitos, em 1947, a ONU deliberou a partição daquele país em dois estados: o Estado Judeu, que ficava com 53% dos territórios, e o Estado Árabe, que ficava com 47%. Tendo em conta que havia apenas 700 mil judeus para 5 milhões de palestinianos, não foi muito justo. Mas ainda assim, era aceitável.
Menos de meio ano depois, já em 1948, é assinada a Declaração de Independência do Estado de Israel, de forma alguma aceite pelo povo palestiniano. Por isso mesmo, no dia seguinte Israel é atacada por sete exércitos de países da Liga Árabe. Israel, ainda actualmente conhecida por ter um dos melhores exércitos do mundo, derrota-os e grande parte dos 750 mil palestinianos que se haviam refugiado nos países vizinhos ficam impedidos de voltar às suas terras.
Não vale a pena discutir aqui quem tem razão e quem não tem. Provavelmente, por mais que se discutisse, não se chegaria a um consenso. Não consigo precisar datas agora, mas o mais grave começou mais recentemente. Mesmo nos dois territórios que
supostamente constituem o Estado Árabe, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, os israelitas insistem em manter as suas tropas/autoridades/whatever. Já não bastava terem ficado com metade do território palestiniano com uma população equivalente a pouco mais de 10% da nativa como também insistem em não deixar a outra metade em paz. A Autoridade Nacional Palestiniana supostamente detém o controle sobre assuntos de segurança e civis nas áreas urbanas palestinianas (chamadas "Área A"), e controle civil sobre as áreas rurais palestinianas ("Área B") mas, ainda assim, a autoridade israelita proíbe, por exemplo, a construção de casas fora dos limites das aldeias palestinianas (a orla das casas já construídas), destruindo sem piedade qualquer habitação erigida fora delas.
E, para não falar dos quase-constantes-e-intermináveis recolheres obrigatórios, é desumano o isolamento a que os israelitas sujeitam os territórios palestinianos (mais a Faixa de Gaza que a Cisjordânia), quer seja em termos de abastecimento de água e combustíveis (não permanentemente, pelo menos até agora; mas parece que não está fora de questão fazê-lo: «seria necessário, como é evidente, (…) cortar de uma vez por todas o fornecimento de combustíveis a Gaza (…)», diz Guy Bekhor, no artigo do Courrier que referi no início deste texto, o que assusta), quer seja em vias de comunicação (neste ponto, é importante referir a destruição da pista de aterragem do Aeroporto Yasser Arafat, em Gaza, pelas Forças de Defesa de Israel, que por isso esteve activo por apenas dois anos – assim, no que toca a transportes aéreos, a Faixa de Gaza está apenas acessível por helicópteros, visto só ter um heliporto operacional).
Poderia ainda referir mais inumanidades por parte dos israelitas, como por exemplo a necessidade de um visto que pode demorar semanas (meses? anos?) a ser concedido para viajar da Cisjordânia para a Faixa de Gaza (ou o inverso), mesmo por motivos de saúde, mas vou ficar-me por aqui. E isto tudo nos territórios que, segundo os acordos que
eles assinaram, fariam parte de um Estado
Árabe, totalmente
independente, no qual para além disso insistem em manter (e criar) colonatos israelitas.
E não se pode dizer que seja falta de vontade de negociar por parte dos palestinianos, que despenderam vários anos na elaboração de acordos que, no final de tudo, o governo israelita não aceita ou não cumpre.
E depois os media ainda têm o descaramento de passar uma imagem negativa dos pale
stinianos bombistas!!! Eles gastam anos das suas vidas em negociações infrutíferas e depois querem
o quê? Que se rendam à vontade dos israelitas, que ainda têm o prazer de publicar artigos em que sugerem inundar «toda a Faixa de Gaza de gases lacrimogéneos, a intervalos cada vez mais curtos», ensurdecer os palestinianos com «altifalantes gigantescos [que] emitiriam ruídos aterradores de sirenes de alarme, explosões e gritos estridentes, de dez em dez minutos, 15 em 15 e, em seguida, de hora a hora», e regar os «militantes do Hamas com tinta vermelha», com o objectivo de fazerem com que os civis, «esgotados por não conseguirem dormir, com os olhos a arder por causa dos gases lacrimogéneos, as orelhas a zumbir e a roupa manchada de tinta vermelha», parassem com as suas próprias mãos os ataques “terroristas” do Hamas. Mas o pior é que a imprensa traduz e publica estes artigos, classificando as soluções sugeridas como «curiosas».
E a comunidade internacional permanece impávida «porque os judeus têm influência e as pessoas receiam ser rotuladas de anti-semitas. Mas, somos nós, judeus, os responsáveis hoje do anti-semitismo. Fazemos que as pessoas duvidem do valor moral do judaísmo» (disse Jeremy Milgrom, um rabino contra a guerra, quando entrevistado por Kenizé Mourad – mais um excerto d’
O Perfume da Nossa Terra). Eu não duvido do valor moral do judaísmo (pessoalmente, duvido mais do valor moral católico), duvido é do valor moral dos membros da “alta sociedade” israelita que escondem a verdade dos membros das camadas mais baixas (que nem sequer se perguntam porque será que os palestinianos se rebelam contra os israelitas e se fazem explodir em centros urbanos importantes), com total apoio dos media (e não só nacionais).
Eu, com esta
blogação, quero mostrar a verdade ao povo português. Não que esta vá ser lida por muita gente; provavelmente metade dos que se decidirem a começar a lê-la (que vão ser poucos, presumo) não chegarão a esta parte final, tal é o tamanho disto. Mas, para tentar que essa minoria ainda seja um pouco significativa, vou enviar um mail a introduzir a
blogação e o blog, pedindo que reenviem. Mesmo que já conheçam o blog e eu já vos tenha falado deste texto é provável que, no momento em que estejam a ler isto, já tenham recebido um mail, e espero que o tenham reenviado a todos os vossos contactos. Pode ser que, assim, se vá tomando conhecimento da situação real deste confl... hum… genocídio.
Mas pronto, se nada mudar nos próximos 20 anos, que é o mais provável, não há que ter preocupações, já que cerca de metade dos 2,5 milhões de habitantes da Cisjordânia tem menos de 15 anos e, na Faixa de Gaza (pedaço de terra com 360 km2, onde foram encavalitados 1,5 milhões de habitantes – se quiserem utilizar um termo de comparação, o Algarve tem cerca de 5000 km2), 48% da população tem menos de 14 anos. Portanto, com um crescimento populacional extremamente elevado e com rapazes a verem os seus amigos a servirem de alvos aos soldados israelitas, é normal que o ódio em relação aos israelitas se mantenha (ou cresça?). E é como disse o rabino israelita contra a guerra, que já referi: «Daqui a cinquenta anos os palestinianos serão mais numerosos que nós, seremos uma minoria a governar a maioria, o que não poderá durar e redundará inevitavelmente em desastre.»
Eu sou totalmente a favor da paz, mas não condeno os palestinianos que apenas matam civis porque não têm possibilidades de matar militares. Sim, tenho pena dos israelitas que morrem devido aos ataques bombistas, mas é a única forma de eles resistirem, por isso apoio-os totalmente.
Mas se nada se conseguir resolver nos próximos 50 anos, que é o que vai acontecer se houver uma continuidade na (in)acção dos países ocidentais, eles finalmente terão uma grande superioridade numérica, por isso vão ter alguma hipótese.
Que tudo se resolva pelo melhor, de preferência pela via pacífica, e o mais rápido possível!
(Primeira imagem retirada da wikipédia, mapa editado por mim, e últimas três imagens tiradas